De olho gordo na Vale

Por Hubert Alquéres

Lula e a esquerda nacional desenvolvimentista jamais engoliram a privatização da Vale, uma das maiores mineradoras do mundo e maior empresa privada brasileira. Seu valor de mercado só é inferior ao da Petrobras. A Vale é um exemplo de privatização bem sucedida, assim como a do setor de telecomunicações e a da Embraer. Seus números são insofismáveis: em 1998, primeiro ano após sua privatização, seu lucro líquido era de apenas 750 milhões de reais. Dez anos depois, ele passou a ser superior a 21 bilhões de reais.

O país também lucrou, e muito, com a privatização da Vale. Quando ainda era uma empresa estatal, em 1997, pagou de impostos ao governo 247 milhões de reais. Em 2008 pagou R$ 2,86 bilhões. Gerou, ainda, seis vezes mais empregos do que quando era estatal: em 1997 tinha 10 mil empregados, em 2009 eram 60 mil empregados. Em 2021 a empresa já contava com 149 mil funcionários e seu lucro no ano anterior foi de mais de R$ 26 bilhões!

A Vale, ao ser privatizada tornou-se uma empresa mais eficiente, investiu mais, gerou mais emprego e pagou mais impostos ao governo. Seu sucesso foi de tal ordem que apesar de suas tentativas de interferir nos destinos da Vale, Lula, nos seus dois primeiros governos, teve juízo para não reestatizar a empresa. Aliás, nenhum governo do PT chegou a esse ponto.

Quando se observa os resultados ao longo de 25 anos e se olha para os tempos da ineficiência estatal, chega-se à conclusão de que eram risíveis os argumentos de quem se opôs à privatização. À época, formou-se uma santa aliança entre juristas, sindicalistas, petistas e partidos da esquerda jurássica para fazer a roda da história girar para trás. Leonel Brizola bradava que a privatização era um plano macabro do “polvo imperialista”, interessado em sugar as riquezas naturais do país e espoliar os brasileiros. Lula engrossava o mesmo coro.

Se não teve forças para reverter o processo de privatização, Lula jamais desistiu do plano de ingerência política nos rumos da mineradora com vistas a transformá-la em uma extensão do seu projeto nacional-desenvolvimentista. Desde 2006 sua artilharia mira a Vale, acusando-a de, após sua privatização, priorizar o lucro, relegando a segundo plano a geração de empregos e investimentos no país.

É uma acusação sem pé nem cabeça, como comprovam os números, utilizada em 2009 para derrubar o presidente da Vale, Roger Agnelli, defenestrado do comando da mineradora dois anos depois. Adivinhem de onde veio a pressão para a degola de Agnelli. Da presidente Dilma e de seu ministro da Fazenda Guido Mantega.

Aqui o importante não é o fato, mas a narrativa construída. E Lula é especialista em criar versões sem a menor conexão com a realidade. Vide agora sua justificativa para tirar do armário o esqueleto da refinaria Abreu e Lima, outro devaneio de sua concepção do Estado protecionista e indutor da economia. Essa visão tinha lá o seu sentido nos anos 50/60, mas é anacrônica em um mundo onde quem faz a diferença são a inovação e a integração competitiva nas cadeias produtivas globais.

Os olhos gordos de Lula voltam-se novamente para a Vale, com o objetivo de fazer da mineradora um puxadinho do programa reciclado chamado PAC. Esse é o sentido do seu plano para fazer Guido Mantega o próximo presidente da empresa. Se de todo não for possível, se dará por satisfeito se seu ex-ministro se tornar membro do Conselho de Administração. Caso Lula obtenha êxito em seu plano, o ex-ministro da Fazenda será o “comissário do povo” na Vale com a missão de enquadrá-la nos desejos do governo.

Lula julga Guido Mantega um injustiçado, apesar de, como pai da “nova matriz econômica” ter sido responsável pela brutal recessão do governo de Dilma Roussef. Para reparar a “injustiça”, Lula quer dar uma prebenda a Mantega de, no mínimo, 130 mil reais mensais, remuneração de um conselheiro da Vale.

Não estamos diante de um caso isolado. Lula tenta reverter a privatização da Eletrobras e afrouxar os critérios de governança da Petrobras, beneficiário que foi da liminar concedida pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski, suspendendo a Lei das estatais para permitir o loteamento das estatais entre os partidos da base aliada. Coincidentemente, Lewandowski, velho amigo de Lula, é seu novo ministro da Justiça. Uma mão lava a outra.

Os olhos gordos de Lula estão custando caro ao país. Seu intervencionismo espanta a atração de investimentos por gerar insegurança jurídica. Quem vai querer investir num país onde a livre concorrência e o lucro são considerados ilegítimos, se não se subordinarem aos planos governamentais?

Sintomaticamente, em 2023 houve uma queda de 40% no investimento direto estrangeiro, na comparação com o ano anterior. Tem mais: pela primeira vez, em uma década, o Brasil não aparece entre os dez países considerados estratégicos para investimentos, pelo empresariado mundial. Isso não é obra do acaso.

O destino da mineradora será decidido na reunião de seu Conselho de Administração, marcada para 31 de janeiro, quando definirá se renovará, ou não, o mandato de seu atual presidente, Eduardo Bartolomeo. Na hipótese de escolha de um novo presidente até abril, a porteira estará aberta para Lula redobrar a pressão para emplacar Guido Mantega.

A Vale é hoje uma empresa com um sistema de governança sofisticado e de acionistas pulverizados, no qual não existe mais o domínio do bloco formado pelo fundo de pensão do Banco do Brasil, Previ e o BNDES. Mas quem tem a caneta na mão, no caso Lula, não pode tudo, mais pode muito. Até mesmo enfiar goela abaixo da mineradora o nome de Mantega.

A Vale é hoje motivo de orgulho dos brasileiros. Está presente em 14 estados do país e nos cinco continentes. Tornou-se em uma multinacional plenamente integrada na cadeia produtiva global, graças à privatização. Pena que o PSDB, partido que quando foi governo concretizou um ousado programa de privatizações, não tenha sabido defender o seu legado.

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