
Hubert Alquéres & Tibério Canuto *
Como se houvesse uma combinação negativa dos astros, o PSDB vive o pior momento de sua história. O Datafolha mostrou Geraldo Alckmin estagnado na casa de 8% dos votos. Sem encantar os eleitores e sem irradiar expectativa de poder, não tem exercido o papel de polo aglutinador de um centro democrático disperso em vários candidatos. Na sua principal fortaleza – São Paulo – João Doria trava uma guerra civil com a candidatura de Márcio França e, pela primeira vez em 24 anos, a hegemonia dos tucanos no Estado pode ser abalada.
Aécio Neves é a bola da vez, quem os brasileiros querem ver atrás das grades. Réu por decisão unânime da Primeira Turma do STF, o homem de 51 milhões de votos é hoje um dos símbolos da impunidade, do Brasil que os brasileiros querem deixar para trás. A condição de réu de Aécio é mais fator de desgaste para o PSDB porque o partido foi tíbio no enfrentamento das graves denúncias contra ele, que era então o presidente do partido. Ainda que Alckmin não tenha sido atingido diretamente pela Lava-Jato, a situação jurídica do senador respinga na candidatura do presidenciável e é um forte revés para o PSDB. O discurso do “partido da ética”, tão eficaz em eleições passadas, está fragilizado porque os tucanos não afastaram Aécio no devido tempo e o deixaram dar as cartas até a undécima hora, apesar de licenciado da presidência do partido.
O Datafolha mostrou uma candidatura sitiada sob todos aspectos. Em São Paulo, Alckmin tem apenas 16% nas pesquisas, dividindo a pole position com Jair Bolsonaro. No Sudeste, que nas eleições passadas foi varrido por uma onda azul, tem apenas 11% de intenção de voto. É devorado ainda por Álvaro Dias, no Sul, e, à sua “esquerda”, pelo ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa.
Alckmin tem motivos de sobra para se preocupar.
Sem sequer ter dito “oi, sou candidato”, Barbosa já fincou estacas em redutos “inexpugnáveis” dos tucanos. Nas grandes cidades tem 12% das intenções de voto, enquanto o presidenciável do PSDB tem apenas 6%. Entre os eleitores com nível superior a diferença é maior: 17% a 9%.
Joaquim Barbosa é impulsionado pelo mesmo fenômeno que colocava Luciano Huck com quase 10% nas pesquisas. Há um contingente expressivo do eleitorado com sede de renovação e em busca de alternativa. É cedo para saber se Barbosa é a resposta, mas ele parte bem colocado, com potencial de fazer estragos a montante e a jusante, nas candidaturas do centro, mas também nas candidaturas de esquerda, em função de seu histórico de vida.
Como foi possível a socialdemocracia chegar ao fundo do poço, dois anos após de ter sido o grande vitorioso das eleições municipais? O espanto é maior quando se leva em consideração que a disputa presidencial de 2014 tinha cacifado os tucanos para a alternância de poder, enquanto o lulopetismo entrava em parafuso logo após o impeachment de Dilma.
Uma primeira explicação está na constatação de que seu crescimento não se deu em bases sustentáveis. Os pilares do castelo tucano estavam implantados em areias movediças. O PSDB foi se transmutando e hoje pouco tem a ver com aquele partido que estabilizou a economia, modernizou o Estado, democratizou o acesso à telefonia e avançou na universalização dos direitos sociais básicos, particularmente na Educação, com a “revolução gerenciada” de Paulo Renato Souza, e na Saúde, área em que José Serra se afirmou como o melhor ministro da história do país. Para não falar no programa Comunidade Solidária de Ruth Cardoso, com sua visão emancipacionista e no modelo de gestão implantado em São Paulo por Mário Covas, até hoje uma referência de compromisso com a coisa pública.
O PSDB fez um governo socialdemocrático, no sentido estrito da palavra, nas condições concretas do Brasil, mas não soube defender o legado da gestão de FHC quando foi para a planície. Isso, contudo, é pré-história. A sua desfiguração como um partido com um mínimo de verniz ideológico e conformação programática é um fenômeno datado e tem muito a ver com a ascensão de Aécio Neves.
Sim, o aecismo foi a expressão concentrada da mudança da base de apoio do PSDB e da sua rendição ética e ideológica. Pouco a pouco, o PSDB foi assumindo a conformação de uma força de centro-direita. Eis aí mais uma jabuticaba brasileira. Em lugar nenhum do mundo a socialdemocracia tem essa conformação ideológica.
O PSDB passou a fazer oposição ao lulopetismo pelo lado mais conservador. Ignorou que a superação do lulopetismo não se dará pela negação do que ele teve de positivo – a inclusão social – mas por elevá-la a outro patamar, tornando-a sustentável e voltada menos para o distributivismo e mais para a promoção da cidadania por meio da universalização de serviços públicos de qualidade.
Em vez disso, aderiu acriticamente ao antipetismo radical e estéril, cedendo à pressão de segmentos das camadas médias conservadoras. Tais segmentos aderiram aos tucanos na disputa presidencial de 2014 por falta de opção. Agora encontraram seu candidato natural: Jair Bolsonaro.
Esse discurso foi eficiente para eleger João Dória – talvez a maior expressão política da conversão conservadora do tucanato – mas mostra agora seus limites. Seu subproduto, contudo, foi altamente negativo, com o aparecimento de uma militância que nada tem de socialdemocrata e está mais próxima dos valores do MBL. Gerou ainda a cultura da intolerância e uma “esquerdofobia” absurda.
A perda de qualquer identidade socialdemocrata está evidenciada no discurso de Dória, na disputa para o governo do Estado. De dedo em riste o ex-alcaide acusa Márcio França, vejam só o crime, de ser socialista! Ué, a socialdemocracia não expressa, na sua vertente mais avançada, a ideia do socialismo democrático? Não era isso que propugnava Olof Palmer, Willy Brandt, Mário Soares, Felipe Gonzales e Fernando Henrique Cardoso?
A guinada à direita se expressou com força na bancada parlamentar peessedebista no Congresso, a partir de 2010. Eis alguns casos emblemáticos: Um dos projetos de lei do programa Escola sem Partido é de autoria do deputado Izalcy, pré-candidato dos tucanos ao governo do Distrito Federal. Paulo Renato deve estar se revirando no túmulo por causa da iniciativa do parlamentar tucano, pois ela é uma afronta a tudo o que o PSDB fez na educação, onde implementou uma política efetivamente socialdemocrata. Bom, o deputado Izalcy não é um ponto fora da curva. Seu colega de bancada, Rogério Marinho, PSDB/RN, é autor de um projeto de lei sobre “assédio ideológico”, que quer pena de prisão para professores que façam “lavagem cerebral” nas criancinhas!
Outra estrela em ascensão durante os anos Aécio foi o líder da bancada ruralista, Nilson Leitão, atual líder do PSDB na Câmara. Como relator da CPI da Funai, o deputado pediu o indiciamento de dois mortos, num total de 120 pessoas suspeitas, entre servidores da Funai, procuradores federais, advogados da União, professores universitários, antropólogos, lideranças religiosas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e representantes de organizações socioambientais. Nilson Leitão foi alvo de críticas ácidas de Eliane Cantanhêde e Miriam Leitão – não há parentesco entre os dois – por causa do seu projeto de lei que institucionalizava o trabalho escravo no campo.
É injusto atribuir a baixa intensidade de Alckmin nas pesquisas às suas características de jogar parado e de não transmitir empatia. Certamente elas pesam, mas não são determinantes. Pesa muito mais a descaracterização ética do PSDB. Quando sua principal liderança foi atingida pelas delações da Odebrecht e da JBS, em vez de se fazer a defesa do partido, se fez a defesa de Aécio. Essa blindagem arrastou-se até o limite do insuportável, com o agravante de que os tucanos perderam o timing de desembarcar do governo.
Deveriam ter saído assim que surgiu a gravação de Michel Temer e Wesley Batista, reafirmando ao mesmo tempo seu decidido apoio às reformas. Em vez disso, deixou arrastar-se seu drama existencial de ser ou não ser governo e submeteu-se a situações humilhantes, com Aécio, manobrando e indicando deputados tucanos como relatores das duas denúncias contra Temer.
É a tudo isso que os eleitores estão punindo. A candidatura de Geraldo Alckmin arca com o prejuízo. Não será o único afetado. O mau humor do eleitorado com o PSDB tende a se manifestar na eleição de deputados, senadores e governadores, mesmo que em grau menor. Já imaginaram as dificuldades da candidatura de Anastasia diante da condição de réu de Aécio Neves?
O cerco está armado. A questão é saber como rompê-lo. Geraldo Alckmin aposta na reaproximação com o DEM de Rodrigo Maia. De fato, por aí ampliaria o tempo televisivo e daria mais capilaridade à sua candidatura, além de atenuar o isolamento no qual está confinado. Contudo, se estender seu movimento para o MDB, pode ser o beijo da morte, tal a toxidade do partido de Temer.
Ampliar o leque de alianças é necessário, mas insuficiente. Tal esforço redundará em nada se não for acompanhado de um discurso que reconcilie o PSDB com seu eleitorado histórico, o que remete em voltar às suas origens e à sua vocação reformista e de principal polo de uma esquerda democrática e republicana, comprometida com os fundamentos econômicos, a austeridade fiscal e o reformismo social.
Para utilizar uma definição de Fernando Henrique Cardoso: para empolgar e ter chances de vitória, a candidatura de Geraldo deve assumir um caráter democrático, popular e progressista.
* Hubert Alquéres é professor, membro da Academia Paulista da Educação, colaborador do blog Noblat/site Veja; Tibério Canuto é jornalista.