Não dá mais para tomar bola nas costas

Pisa (Foto: Arquivo Google)

 

por Hubert Alquéres

Na última semana do ano vale voltar a um tema vital para o Brasil: a educação.

Neste campo, o país está mais para o vexame dado pelo time de Felipão naquela vergonhosa derrota de 7 a 1 para a Alemanha do que para a seleção de Tite com seu futebol vistoso.

Se os exames de avaliação internacional fossem um campeonato mundial, seríamos eliminados na primeira fase. E se fossem disputados em divisões, estaríamos na rabeira da terceira divisão, como ficamos no Pisa 2015, de responsabilidade da OCDE, principal exame de avaliação do planeta, que pauta e baliza políticas educacionais nos cinco continentes.

Como técnicos medíocres, que dão desculpas esfarrapadas para as derrotas do seu time, segmentos do setor e da esquerda brasileira atribuem o fracasso da educação à escassez de recursos, apontando como elixir para a superação de nossas mazelas o aumento de investimentos na área.

Uma leitura apressada do PISA de 2015 poderia endossar tal concepção, com o argumento de que o Brasil investe bem menos daquilo que a OCDE considera como aceitável para educação. É verdade. O que os cartolas do corporativismo e da ideologização não revelam é que entre os dois últimos exames houve incremento de recursos para a Educação, mas os resultados colhidos em 2015 caíram em relação ao de 2012, assim como este tinha caído em relação ao exame anterior.

Como explicar esse paradoxo, pela grande incorporação de uma nova massa de alunos? Balela! No caso do ensino fundamental, sua universalização se deu ainda nos anos 1990, há mais e 16 anos. Já no ensino médio, não houve, nos dez últimos anos, inclusão tão substantiva assim, capaz de puxar para baixo a performance brasileira. De 2005 a 2015, ocorreu apenas um crescimento vegetativo dos alunos de 15 a 17 anos nas salas de aula; ou seja, de 81,6% para 86%, segundo dados da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais do IBGE.

Ademais, há outra contradição a ser explicada: por que a Turquia, Uruguai, Bulgária, México, Tailândia, Montenegro e Colômbia destinam menos recursos por aluno do que o Brasil e, mesmo assim, obtiveram desempenho melhor no Pisa 2015?

Por aí, é impossível explicar o vexame.

Segundo o ministro Mendonça Filho, o orçamento da educação triplicou três vezes no período 2003-2015 e o desempenho brasileiro no Pisa ficou estagnado. Não houve salto qualitativo, para não falar em recuos. Nem é preciso ter uma mente brilhante para concluir que nos últimos quinze anos houve prioridades invertidas, como o Ciências Sem Fronteiras, a farra do FIES amplo, geral e irrestrito, ou má gestão, cujo caso mais emblemático foi o Mais Educação – programa federal para ampliação da jornada escolar –que, segundo o atual ministro, distribuiu dinheiro para o equivalente a oito milhões de alunos sendo que o Brasil tem pouco mais da metade disso – 4,3 milhões.

Vamos mal porque o time joga de improviso, adota a linha burra tão criticada por João Saldanha. Assim só podemos tomar bola nas costas, como a goleada que levamos no último Pisa, na qual nas três áreas avaliadas os alunos brasileiros até acertaram questões de múltiplas escolha, mas demonstraram profunda dificuldade em interpretar os dados e aplicar os conhecimentos teóricos a situações práticas no modelo de questões abertas.

Traduzindo para a linguagem futebolística: jogamos no velho e ultrapassado 3-2-5, enquanto países que dão show nos exames internacionais como Cingapura e Vietnam jogam numa tática moderníssima.  Nosso ensino se estrutura aos moldes da revolução industrial, baseia-se na decoreba. O modelo dos vitoriosos combina o ensino tradicional com uma educação mais holística, na qual os alunos aprendem a relacionar as partes com o todo, a pesquisar e desenvolver seu senso crítico.

No mundo moderno, cada vez mais a memória fica nas máquinas e a inteligência nos homens. Faz toda a diferença a educação que se organiza à base dessa “divisão” de função, o que está longe de acontecer com o nosso ensino.

E há um alento: a nova comissão técnica do nosso time de educação entende do riscado e traçou uma estratégia acertada que inclui avanços no ensino fundamental, a reforma do ensino médio e a edição da Base Nacional Comum Curricular que vai definir o que os alunos devem aprender em cada ano e etapa, da creche ao ensino médio. Também estão mirando no exemplo de países onde os professores são escolhidos entre os melhores alunos, têm cursos de formação com muita prática sobre a arte de ensinar e há um monitoramento permanente da aprendizagem dos estudantes. Ou seja, o foco é o aluno.

É com muito trabalho – e torcida para que os perna-de pau do corporativismo e do ideologismo não façam gol contra – que podemos progredir para a primeira divisão mundial da Educação.

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Este artigo foi publicado originalmente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat:

A caserna e a crise

Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas (Foto: Exército brasileiro)Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas (Foto: Exército brasileiro)

 

por Hubert Alquéres

Fosse em outras eras, a recente entrevista do Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, teria sido noticiada de forma bombástica pelo noticiário televisivo. Certamente os jornais estampariam manchetes com letras garrafais, do tipo “Comandante do Exército repele incursão de vivandeiras”.

Felizmente os tempos são outros. O país não fica mais em suspense quando um chefe militar se pronuncia, jornalistas não consomem mais o seu tempo para interpretar o almanaque do exército.  O termo vivandeiras entrou em desuso, saiu de moda.

A grande notícia da entrevista do general é que não há notícia.

A maior crise da nossa história passa ao largo dos quartéis, a despeito de, nas palavras de Villas Bôas, uns “tresloucados, esses malucos” que “vem aqui e perguntam: ‘Até quando as Forças Armadas vão deixar o país afundando. Cadê a responsabilidade das Forças Armadas?”

Como ontem, ainda há quem ronde os quarteis. Diferentemente do passado, as vivandeiras contemporâneas pregam no deserto e obtém dos chefes militares negativas como a do comandante do Exército: “eu respondo com o artigo 142 da Constituição. Está tudo ali. Ponto.”

Não é pouco para um país de histórico de intervenção militar na vida nacional.

Por quase um século, de 1886 – quando teve início a chamada questão militar com uma série de atritos entre o exército e o governo imperial – até a transição democrática de 1985, as Forças Armadas foram parte da crise (quando não a própria crise), quer por vontade própria, quer por serem arrastadas para elas.

Os episódios se sucederam aos borbotões: advento da República, eleição de Hermes da Fonseca, 1922, a Coluna Prestes, Revolução de 30, Levante de 1935, derrubada de Getúlio Vargas no pós-guerra, candidaturas de Juarez Távora, Eduardo Gomes, Marechal Lott, novembrada 1955, Aragarças, Jacareacanga e, finalmente, a mais traumática das intervenções, em 1964.

As Forças Armadas amadureceram, aprenderam com sua própria experiência.

Tomaram um caminho sem volta em 1985, quando recuaram organizadamente para os quartéis e passaram a se pautar exclusivamente pelo exercício de suas funções profissionais e de suas obrigações constitucionais definidas no famoso artigo 142, citado pelo general: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Por isso elas passam ao largo da crise, se reencontraram com o povo e são hoje as instituições com maior credibilidade entre os brasileiros. Mais importante: não parecem ter sido contaminadas pelo cupim da corrupção, assim como não foram outras instituições permanentes de Estado, a exemplo do Itamaraty, universidades públicas, Polícia Federal, Banco Central e outras blindadas do loteamento político, da ação nefasta do patrimonialismo.

A tranquilidade não se dá apenas nas tropas. A reserva, normalmente, mais afoita no envolvimento com a política, vive um momento de calmaria. Também entrou em desuso o termo “general de pijama”, designação de militares sem tropas, eternamente envolvidos em conspiratas armadas.

Apesar da disciplina e observância de suas obrigações constitucionais, a relação das Forças Armadas com os governos petistas teve seus momentos de desconfianças recíprocas, principalmente porque setores do lulopetismo e do governo nunca engoliram sua derrota política e militar durante o regime ditatorial e sempre sonharam com um “acerto de contas” com as FFAA por meio de uma reinterpretação da história.

Felizmente, hoje estamos em outro patamar. Nas palavras do comandante do Exército, “o presidente Michel Temer demonstra um respeito às instituições de Estado que os governos anteriores não tinham”.

Nesse campo, o presidente parece ter acertado na escolha de Raul Jungmann para ministro da Defesa. É o ministro quem se pronuncia até mesmo em relação a aspirações legítimas da tropa, como na questão previdenciária dos militares- um vespeiro que a prudência recomenda não se mexer.

Até aí há uma cadeia de comando. Não há a balbúrdia, não há anarquia militar, não há indisciplina.

Tresloucados haverá sempre. Não faltarão malucos rondando a caserna.  Mas as palavras do general são tranquilizadoras: “Aprendemos a lição (referindo-se aos 21 anos de ditadura). Estamos escaldados!”

Feliz Natal a todos!

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Este artigo foi publicado originalmente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat:

A São Silvestre de Temer

Michel Temer, presidente da República (Foto: Estadão)Michel Temer, presidente da República (Foto: Estadão)

por Hubert Alquéres

O presidente Michel Temer passa sebo nas canelas para correr sua meia maratona antes mesmo de os fundistas darem a largada na corrida mais tradicional do Brasil. O presidente reza para São Silvestre lhe dar fôlego para ultrapassar a barreira de chegada de uma prova muito mais de fundo: levar a transição em bons termos até 2018.

Temer corre contra o tempo em busca do capital estiolado tão rapidamente.

Quando assumiu o mandato, pintava ser o fator de estabilidade do país, contava com a torcida da multidão que vestiu o verde-amarelo e com a simpatia do mundo empresarial. Inegavelmente, sua equipe econômica transmitiu confiança e credibilidade ao mercado e aos investidores.

Hoje o governo já respira por meio de aparelhos e procura operar em duas frentes. De um lado, toma medidas no campo político para dar mais densidade ao seu time, com a atração do PSDB para o núcleo duro do Palácio do Planalto e, de outro, articula um minipacote de bondades econômicas.

A questão é saber o quanto essas duas medidas serão capazes de reverter expectativas negativas de um quadro onde a crise política afeta a economia e a recessão econômica gera desconfianças, incide sobre o humor da sociedade e agrava, portanto, a crise política. Eis aí o nó górdio de Temer.

A micropolítica, embora necessária, é insuficiente para debelar a crise. Medidas pontuais, como entregar uma Secretaria de Governo turbinada ao PSDB podem ajudar a arejar o ambiente. Mas também pode turvá-lo. A dúvida hamletiana, se nomeia um tucano agora ou se deixa para quando o carnaval chegar, é mais lenha na fogueira da instabilidade.

A dificuldade é que o presidente e seus assessores são craques no jogo jogado no Congresso, mas são principiantes quando se trata de entender que a velha ordem está em estado terminal e em choque com o Estado moderno em construção ou com o novíssimo “partido das ruas e das redes sociais”.

Não basta apenas ter quem faça a interlocução com o Congresso. É preciso ter também quem faça a interlocução com as ruas.

Na lógica do jogo menor, a nomeação do deputado Antônio Imbassahy pode adicionar contratempos, como acirrar o cabo-de-guerra da disputa da presidência da Câmara. Ou ser entendida por segmentos do PSDB, como uma opção preferencial de Michel Temer por Aécio Neves.

Na economia, para sair das cordas e reconstruir um ambiente favorável aos investimentos, o governo lançará um pacote microeconômico. Tudo bem, se não houver contraposição entre o micro e o macro, ou se não se abandonar o objetivo estratégico em nome de movimentos táticos. Se bem administradas, medidas de curto prazo podem contribuir para a superação do sufoco vivido pelos brasileiros. Se mal administradas, podem não surtir efeito e agravar o estado do paciente.

A mudança de ambiente virá mesmo se for obtido êxito nos fundamentos macroeconômicos. E esses começam a apontar para um cenário melhor. A excelente safra agrícola prevista para 2017 –  algo em torno de R$ 194 bilhões a ser injetado na economia, um salto de 36 bilhões na comparação com 2016 – diminui a pressão inflacionária, o que é essencial para uma queda consistente da taxa Selic.

Os juros devem cair não por pressão política, mas porque foram criadas as condições para tal. A mudança significativa de ares virá com a PEC do Teto, finalmente aprovada nesta terça-feira, com a tramitação rápida da reforma previdenciária e com o encaminhamento da reforma trabalhista.

Se a classe política quiser sobreviver ao terremoto, as negociações deveriam se dar à base dessa agenda.

O perigo é Temer adotar uma estratégia de corrida padrão Dilma. No desespero, a ex soberana a toda hora apelava para medidas microeconômicas desconexas e acreditava que arrodearia o toco da crise com a simples troca de ministros.

Como na epístola de Michel Temer para o Procurador Geral da República, a presidente acusava os “vazamentos seletivos de supostas delações premiadas” de prejudicarem a retomada do crescimento econômico, numa clara transferência de responsabilidades

O presidente não é, claro, nenhum Kibii Tergat para ganhar a São Silvestre cinco vezes. Mas pode concluir a sua meia maratona com gás suficiente para chegar a 2018. Conseguirá, porém, contornar o obstáculo Odebrecht?

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Este artigo foi publicado originalmente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat:

O episódico e o permanente

Mapa do Brasil (Foto: Arquivo Google)

por Hubert Alquéres

Em momentos de tantas reviravoltas como as que vivemos atualmente, convém não confundir o circunstancial com o permanente, para não se ter uma visão turva ou se deixar contaminar pelo catastrofismo.

A liminar do ministro Marco Aurélio Mello afastando o senador Renan Calheiros da presidência do Senado – decisão a ser apreciada ainda pelo pleno do STF, onde será reafirmada, ou não – adiciona, sem dúvida, novos ingredientes ao caldeirão da crise.

Quanto mais rápido o colegiado da Suprema Corte se manifestar, melhor. Urge jogar água na fervura do confronto entre o Judiciário e o Legislativo, agravado pela liminar concedida e pela resolução da mesa diretora do Senado de não acatar a decisão do ministro Marco Aurélio enquanto não houver o pronunciamento do conjunto dos ministros do STF.

Além do mais, não se sabe muito bem qual seria o comportamento do senador Jorge Viana no caso de assumir a presidência do Senado; se tocaria fogo na lona do circo e cederia às pressões do PT, seu partido, para jogar para fevereiro a votação da PEC do Teto, ou se levaria em consideração os interesses da nação, respeitando o acordado pelos líderes para realizar essa votação na próxima semana.

Jorge Viana pode sim criar transtornos ao presidente Michel Temer. Mas isso seria transitório e inútil para deter um processo essencialmente positivo de renovação e de se passar o país a limpo, a essa altura irreversível.

O permanente é esse processo, impulsionado pela ação das instituições republicanas de Estado e pela pressão da sociedade.

No último mês o país abortou o jabuti da autoanistia arquitetada pelos deputados federais. Também foi frustrada a tentativa de Renan de aprovar, a toque de caixa, o pacote anticorrupção, desfigurado 24 horas antes pela Câmara Federal, que transformou as 10 Medidas propostas pelo Ministério Público Federal e endossadas por mais de dois milhões de signatários em um verdadeiro Frankstein. E adiou a intenção de tutelar e inibir a ação da Justiça e da Procuradoria, por meio do projeto de lei de crime de abuso de autoridade.

Tudo isso para não falar da demissão do ministro Geddel Vieira e da decisão da Suprema Corte de transformar o presidente do Senado em réu, fato inédito na história nacional.

Seja qual for a palavra final do STF, Renan Calheiros não terá a mesma força de antes. E, se for mesmo esperto, não adotará a tática de Eduardo Cunha de confronto com o judiciário e de acinte com a sociedade.

A margem de manobra da velha política se estreitou. De forma presencial, o ator principal dessa ópera voltou a colorir as ruas nas principais cidades do país, no último domingo. Presencial porque esse ator – sua excelência a sociedade mobilizada – esteve conectada virtualmente, o tempo todo, na larga avenida das redes sociais.

Se há uma particularidade nas mobilizações que varrem o país nesses quase dois anos, é a de cada manifestação ter um foco concreto. Se em 2013 elas tinham um caráter difuso quanto às suas bandeiras, hoje tem alvos específicos: o “Fora Dilma” do impeachment, o “Fora Cunha” e agora o “fora Renan”, mas já com o olhar atento para Rodrigo Maia. Se continuar dando bobeira, o presidente da Câmara entra na dança.

O pragmatismo dos manifestantes se verifica também em relação a Michel Temer. Até meados de novembro era visível nas redes sociais a torcida por seu governo. Havia predisposição para se apoiar as reformas e respaldar a equipe econômica. Havia uma aposta para que seu governo levasse em bons termos a travessia para 2018.

No último domingo, o recado das ruas foi outro. De uma forma não tão difusa assim, os brasileiros disseram a Temer: “se liga presidente, estamos lhe dando uma chance, vê lá o que vai fazer”. O pé atrás se deve não tanto às questões econômicas, mas à letargia do governo – incluindo aí a do chefe da Nação – em relação a questões éticas como a que catapultou Geddel.

É possível fazer desse limão uma limonada. As manifestações tanto podem ser uma barreira de contenção às pressões das forças empenhadas na perpetuação da impunidade e dos seus privilégios, como também a base de sustentação para se enfrentar a resistência do corporativismo e do atraso às reformas necessárias, entre elas a da Previdência.

Se entrar em sintonia com o clamor das ruas, Michel Temer poderá cumprir o papel que a história lhe brindou. Se frustrá-las, ouvirá o “Fora Temer” em dose dupla: das forças deslocadas do poder pelo impeachment e das que estão mudando o país pela via pacífica e democrática – como o foram as manifestações do último domingo.

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Este artigo foi publicado originalmente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat: