Contrato de risco

Michel Temer recebe notificação do primeiro-secretário do Senado, Vicentinho Alves (PR-TO) (Foto:  Marcos Corrêa /  VPR / Fotos Públicas)Michel Temer recebe notificação do primeiro-secretário do Senado, Vicentinho Alves (PR-TO) (Foto: Marcos Corrêa / VPR / Fotos Públicas)

por Hubert Alquéres

Michel Temer fez um contrato de risco na composição de seu governo. Sabia que estava sujeito a trovoadas e tempestades ao ceder espaços a políticos e parlamentares arrolados – e enrolados – nas investigações da Lava-Jato.

Apesar dos alertas sobre o perigo de nomear homens-bomba para o primeiro escalão, falou mais alto a necessidade do novo presidente de construir maioria confortável no Congresso Nacional para aprovar medidas de ajustes econômicos e as reformas imprescindíveis para a retomada do crescimento e a geração de empregos.

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O fim da dicotomia

Ailton de Freitas (Foto: Agência O Globo)
Marco Aurélio Garcia (Foto: Ailton Freitas / Agência O Globo)

Por Hubert Alquéres 

Durante treze anos, Marco Aurélio Garcia, assessor dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, foi o todo poderoso da política externa brasileira. Seu reinado chega ao fim e com ele a dicotomia estabelecida pelo lulopetismo.

Durante esses anos houve dualidade de poder entre os ministros do Exterior e o assessor especial da Presidência, detentor do poder real, particularmente na relação com os governos terceiro-mundistas da América Latina.

Essa duplicidade retirou substância do Itamaraty, condenando-o a um papel subalterno ou meramente decorativo, como aconteceu no governo Dilma. Ao relegar esse centro de excelência a um segundo plano, os governos petistas deixaram de lado a experiência bem-sucedida de uma política diplomática desenvolvida desde os tempos do Barão de Rio Branco.

Agora, sob a batuta do novo chanceler José Serra, resgata-se o papel de protagonista do Itamaraty. E sua tradição de se pautar pela defesa dos interesses nacionais, pela construção de relações pacíficas entre os países, pela estrita observância dos princípios da autodeterminação dos povos, da não-intervenção, da democracia e dos direitos humanos.

Nisso, o governo de Michel Temer começou bem. Reinstituiu o polo único na política externa – o Ministério do Exterior – e foi firme quando sentiu que houve ingerência indevida de países vizinhos em nossa realidade. É tautológico, mas não custa reafirmar: os problemas de Cuba serão resolvidos pelos cubanos, os da Venezuela pelos venezuelanos e os do Brasil pelos brasileiros.

Há outro desafio a ser enfrentado. Nesses treze anos não tivemos uma política diplomática de Estado. Tivemos política de governo, muitas vezes confundida como política de partido. Em vez de praticar o “pragmatismo responsável”, que tanto frutos rendeu ao país em um passado não muito distante, Lula e Dilma adotaram a política de alinhamento automático com países com os quais tinham afinidades ideológicas.

As lentes ideológicas levaram seus governos a uma leitura distorcida do mundo, como se ele estivesse dividido em dois polos antagônicos: os Estados Unidos, esse eterno eixo do mal, e os chamados países emergentes, o novo eixo do bem.

O maniqueísmo levou a erros primários.

No apogeu do seu terceiro-mundismo, Lula pensou que seria o eixo alternativo aos Estados Unidos no Oriente Médio, um sonho lunático. A prioridade às relações Sul-Sul (em contraposição à relação Sul-Norte), e a aposta no Brics foram produto de uma concepção na contramão do mundo.

A aposta falhou. A megalomania do criador deu lugar à abulia da criatura. E o Brasil perdeu relevância no concerto das nações, ficou de fora dos megablocos que foram se formando. Se contentou com o Mercosul.

O novo governo corre agora contra o tempo para fazer uma inflexão na política de comércio exterior e romper com as amarras atuais. O incremento de acordo bilaterais –  como realizam o Chile, o México e o Peru, apenas para citar alguns países vizinhos – é do interesse nacional. A soberania brasileira passa pela afirmação do seu direito de assinar acordos comerciais com qualquer bloco ou país, sem estar submetido a vetos de quem quer que seja.

As cadeias produtivas e os megablocos são cada vez mais uma realidade palpável, vide a Parceria Transpacífica. Ou o Brasil se integra, de forma ativa e altiva, nesses processos ou estará condenado em ser eterno exportador de produtos primários e importador de bens manufaturados.

As categorias mentais da época da guerra fria são inteiramente anacrônicas. No comércio exterior, não há bandidos e mocinhos. Nele, cada país defende, antes de tudo, seus próprios interesses e quando há convergência se estabelecem acordos vantajosos às partes.

Nas relações comerciais, não há sentido escolher parceiros por critérios ideológicos. Ao Brasil interessa ter relações pacíficas e comerciais com todas as nações. Com os EUA, a China, a União Europeia, a Rússia, a Índia, nossos vizinhos latino-americanos, países africanos, asiáticos e em todos os quadrantes do planeta.

Assim, o Brasil voltará a habitar o mundo.

 

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Este artigo foi publicado originalmente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat:

http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2016/05/o-fim-da-dicotomia.html

O parto da girafa

Michel Temer, vice-presidente da república (Foto: Estadão)Michel Temer, vice-presidente da república (Foto: Estadão)

por Hubert Alquéres 11/05/2016 – 01h20

O abalo sísmico provocado pelo deputado Waldir Maranhão, presidente interino da Câmara e ilustre desconhecido até anteontem, é emblemático de quanto chão temos pela frente até o Brasil se transformar em um país estável e de instituições fortes. Iniciar a travessia de um Estado patrimonialista, onde a política é uma intermediação de interesses subalternos, para um Estado verdadeiramente republicano será a prova dos nove para o vice-presidente Michel Temer.

As pedras colocadas no caminho são imensas. O país se modernizou e com ele as instituições permanentes do Estado, como o Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Judiciário, cuja integração e eficácia são particularmente visíveis no combate aos crimes de corrupção e financeiro, como demonstram as operações Lava-Jato, Zelotes e Acrônimo.

Mas o mundo da política continua tão ou mais arcaico do que antes. Velhas práticas do clientelismo, do fisiologismo, do compadrio e do patrimonialismo se encrustaram no Estado, com o agravante de terem se associado a um projeto de poder escuso, responsável pelo maior assalto à coisa pública de nossa história.

Michel Temer encontra-se diante de uma encruzilhada. Se trilhar a estrada antiga, começará seu governo de maneira fragilizada, ficará refém de um modelo político esgotado e esclerosado, o tal “presidencialismo de coalizão” à moda petista.

Por aí, será mais do mesmo. Como tragédia anunciada a crise se agravará por melhor que seja sua equipe econômica. O resgate da credibilidade da política econômica passa, necessariamente, pelo acerto no campo da política, propriamente dita. Se ignorar essa lei, o novo governo estará fadado ao fracasso.

Não está dado, porém, que este seja seu destino.  Apesar do vai e vem do provável futuro presidente, há sinalizações de que ele pode enveredar por uma trilha mais promissora. São indicativos disso sua disposição de fazer um pronunciamento à nação defendendo a operação Lava-Jato e o anúncio de que comporá um ministério mais enxuto.

É certo que na política Temer está sendo reativo, impulsionado por uma opinião pública cada vez mais exigente. Por instinto de sobrevivência, ou não, isto pouco importa para efeito da análise, o fato é que ele procura entrar em sintonia com uma sociedade onde a indignação, ao contrário de outros momentos, não deu lugar à apatia.

Mas reagir já é alguma coisa em um país onde a presidente deu as costas ao povo e, arrogantemente, ignorou o grito das ruas.  Também não deixa de ser positivo que na hora H o Congresso Nacional tenha entendido o recado dado por milhões e milhões de brasileiros.

Se tiver disposição de ir adiante, Temer poderá se beneficiar de outro fator. A suspensão do deputado Eduardo Cunha e o desfecho do affaire Waldir Maranhão diminuíram o poder de barganha do baixo clero, que deve passar por um momento de desarticulação.

Há, portanto, condições para o futuro presidente por limites à voracidade da constelação partidária, de não ceder ao balcão de negócios, de não ficar prisioneiro da chantagem do toma-lá-dá-cá a cada votação de interesse do Executivo.

Sejamos claros: o balcão só prosperou nestes treze anos porque havia alguém do outro lado disposto a comprar as facilidades que os deputados se dispunham a vender. Os governos lulopetistas suprimiram a política e adotaram uma relação meramente mercantilista com os parlamentares, afrontando, assim, a autonomia do próprio Congresso Nacional.

O que se exige de Temer é a mudança desse padrão. É a adoção de outro valor.

É ilusório crer que faremos um parto indolor, na direção de um país de instituições sólidas, de um Legislativo que se dê o respeito e por isto mesmo seja respeitado, de um Executivo que não faça da cooptação sua forma de construir maioria no Parlamento.

Será um parto longo e extremamente dolorido, algo mais próximo ao parto da girafa, que leva 15 meses para acontecer, mas o filhote, quando nasce, já sai andando.

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Este artigo foi publicado originalmente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat:

http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2016/05/o-parto-da-girafa.html

 

Vai que dá certo

Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil (06/01/2015)Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil – 06.01.2016

por Hubert Alquéres

Não se ignora a dramaticidade do quadro social, econômico e político no qual Michel Temer terá de operar como futuro presidente da República. Os desafios são imensos. Mas não está escrito nas estrelas que o próximo governo, apropriadamente caracterizado de “emergência nacional”, dará com os burros n’água, como preconizam algumas pitonisas de plantão. Vai que dá certo, como ficam as premonições catastrofistas?

É cedo para avaliações. O novo governo sequer assumiu e encontra-se na fase de costura. Mas seria muita má vontade não enxergar que os primeiros movimentos do atual vice-presidente vão, no essencial, na direção correta. Seu sucesso ou insucesso será medido, principalmente, pelo enfrentamento da crise econômica. E é aqui que Temer dá os primeiros passos de forma acertada.

Há consciência de que é preciso restabelecer a credibilidade da política macroeconômica e a confiança na solvência do Estado, ambas detonadas nos anos de desgoverno do lulopetismo. Fundamentos econômicos sólidos, previsibilidade e credibilidade são pré-requisitos para a atração dos investimentos necessários à retomada do crescimento.

A sintonia fina a ser feita no ajuste fiscal deverá ter exatamente este objetivo e será por aí que a taxa básica de juros pode ser puxada para níveis mais civilizados e entrar em curva declinante, ainda em 2016. Diferentemente do período Joaquim Levy, o provável futuro ministro não está propondo o “ajuste pelo ajuste”, mas sim uma ponte para o resgate da boa política macroeconômica.

Trata-se, portanto, de criar um ambiente favorável à retomada do crescimento, condição essencial para se enfrentar o enorme drama do desemprego, que hoje atinge 11 milhões de brasileiros. E por onde o crescimento pode ser retomado?

As pistas estão dadas. O foco é um amplo programa de concessões, livre das amarras criadas pelo dirigismo tão presente nos anos Dilma. Em qualquer lugar do planeta, os investidores empregam seu capital onde estejam asseguradas duas condições: regras claras e possibilidade de retorno do investimento.

Um dos graves erros do governo Dilma foi querer definir por decreto taxas de retorno nas concessões, além de impor, em muitos casos, um sócio compulsório aos investidores: o Estado. Vide o caso das privatizações dos aeroportos onde a Infraero se transformou em sócio incômodo dos investidores. Nesses quase seis anos, as privatizações não andaram porque, entre outras coisas, o governo mudava as regras do jogo a toda hora.
A equipe de Temer acena com o fim dessa camisa de força. Isto é positivo. As privatizações podem deslanchar e atrair fortes investimentos.

Outra trilha para crescer é o incremento das exportações, com a adoção de uma política agressiva no comércio exterior visando conquistar novos mercados. Por questões puramente ideológicas, o Brasil nos últimos 13 anos priorizou as relações Sul-Sul, deu as costas aos mercados dos EUA e da União Europeia. Mais grave: ficou imobilizado pela camisa de força do Mercosul, impedido de assinar acordos bilaterais sem o consentimento dos outros países do bloco.

Hoje levamos um banho do Chile, do Peru e do México.

A economia não é tudo e nem mesmo aqui se está perto de vencer a guerra.  Aliás, será uma batalha dificílima, a crise econômica não será superada da noite para o dia.  E não há espaço para ilusões quanto às resistências a serem enfrentadas na hora de se avançar nas reformas estruturantes e na desindexação da economia e do Orçamento da União.

Tampouco será fácil construir um governo de ampla coalizão sem fazer concessões ao patrimonialismo, ao clientelismo e ao corporativismo, ervas daninhas que tanto prejuízo causam ao país. Talvez esta seja a batalha mais árdua. Tais forças criarão enormes obstáculos a qualquer mudança que ameace seu espaço e privilégios no aparato estatal.

São muitos desafios a serem vencidos em pouco espaço de tempo. Não se espera que a administração Temer consiga resolvê-los de uma só vez. Mas, se avançar nos primeiros passos para a reorganização do país, seu governo já terá dado certo.

 

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Este artigo foi publicado originariamente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat: http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2016/05/vai-que-da-certo.html