Lei & Ordem

Lei e justiça (Foto: Arquivo Google)

 

por Hubert Alquéres

Os fatos acontecem à velocidade de um raio e dissipam ilusões quanto à capacidade da presidente Dilma Rousseff construir um mínimo de apoio no Parlamento para barrar o processo de impeachment.

Soma-se a isso a absoluta impossibilidade de reverter o sentimento amplamente majoritário de repulsa ao seu governo.

O desembarque do PMDB e seu efeito cascata são evidências de que o projeto de poder do lulopetismo está vivendo seus estertores.

Só lhe resta uma última e desesperada manobra: exacerbar até não poder mais o clima de radicalização e confronto para ganhar sobrevida ou para se preparar para o amanhã, se tiver de ir para oposição.
Assim sendo, o lulopetismo procura criar a imagem de que está em curso uma ruptura democrática e ameaça um day after no qual o país ficaria em chamas, no caso do impeachment da presidente.

É pura guerra psicológica diversionista. Estamos longe de uma “guerra civil” ou da iminência de um desvio de rota do Estado de Direito Democrático. As instituições republicanas têm se pautado conforme determina a Constituição. Excessos eventualmente cometidos foram corrigidos pelos próprios mecanismos de freios e contrapesos da democracia.

As manifestações, por sua vez, têm sido, na sua maioria, ordeiras e pacíficas. Assim se pautaram os seis milhões de brasileiros que foram às ruas no dia 13 de março.
E é assim que tem de ser. Na lei e na ordem.

No ordenamento democrático, todos, absolutamente todos, podem dar sua opinião sobre se há, ou não, motivos para o impeachment. Podem fazer manifestações contrárias ou favoráveis ao impedimento da presidente.

A apreciação da matéria, contudo, cabe, de forma privativa, ao Congresso Nacional, observados os trâmites definidos pelo Supremo Tribunal Federal. Serão a Câmara e o Senado que farão o julgamento do impeachment. Para isto têm inteira legitimidade. A Suprema Corte, se provocada, se pronunciará, mas provavelmente para verificar se o rito processual esteve em sintonia com a Constituição.
Simples assim.

Mas, por ideologia ou má fé, setores da nossa intelectualidade alardeiam que estamos vivendo situação semelhante à de 1964 e a própria presidente assume o mesmo discurso, na sua estratégia de vitimização. Até certo ponto, e até certo grau, entende-se tal comportamento.

Há em parte da esquerda brasileira uma cultura maniqueísta, de dividir o mundo entre os bons e os maus, de se achar depositária da virtude, de acreditar que os fins justificam os meios. Em nome da causa, vale tudo.

Vale fazer vista grossa à corrupção praticada para perpetuar um projeto de poder. Vale a relativização dos valores da democracia, se tais valores forem violentados pelos chamados governos populares.
O lado mais ideológico do lulopetismo nunca engoliu muito bem este negócio de presidencialismo de coalizão. Nunca enxergou os partidos aliados como parceiros de um projeto. Ao contrário, viam como um estorvo, cujo apoio poderia ser comprado. Por dinheiro ou por repartição do butim ministerial.

O condomínio PT-PMDB, com seus partidos satélites, baseou-se na desconfiança mútua, no desejo irresistível de um jogar o outro no mar, quando chegasse a hora.
E a hora chegou.

Com cinquenta anos de janela, os “profissionais da política” foram mais rápidos. Pularam fora do Titanic, deixaram Dilma a ver navios.

Ainda não é possível descortinar como serão os últimos capítulos do lulopetismo no poder. Certamente, o país viverá momentos de sobressalto e de tensão, até o desfecho desta novela.

Acreditamos nas instituições e em um final feliz. E torcemos para que a lei e a ordem continuem falando mais alto.

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Este artigo foi publicado originariamente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat:

 

Matar ou morrer

José Eduardo Cardozo, Dilma Rousseff, Eugênio Aragão e Jaques Wagner (Foto: André Coelho / Agência O Globo)José Eduardo Cardozo, Dilma Rousseff, Eugênio Aragão e Jaques Wagner (Foto: André Coelho / Agência O Globo)

por Hubert Alquéres

Absolutamente ilhado e sentindo cada vez mais a falta de oxigênio, o governo Dilma Rousseff decidiu ir à guerra. Ou como disse um assessor presidencial: “agora é matar ou morrer”. Dada a ordem, o Palácio do Planalto passou a viver o seu faroeste, muito embora a turma que lá habite esteja mais para Frank Miller (Ian MacDonald) do que para o xerife Will Kane (Gary Cooper), personagens do genial filme de Fred Zinnemann.

No clímax imaginado por seus atabalhoados estrategistas a presidente partiria para o confronto final, duelando ao mesmo tempo com a Polícia Federal e o Congresso Nacional. Para não falar no Poder Judiciário e nos 65% dos brasileiros favoráveis ao seu impeachment, esse mar imenso de “golpistas”.

O que temos assistido, contudo, tem sido um anticlímax, mais parecido com a chanchada “Matar ou correr”, contracenada pela impagável dupla de comediantes Oscarito & Grande Otelo.  O golpe de mestre, a nomeação de Lula para ministro-chefe da Casa Civil, revelou-se um tiro n’água.

Imobilizado em seu raio de ação, o caudilho se vê envolvido em um emaranhado de pareceres da Justiça desfavoráveis à sua posse. O último, da ministra Rosa Weber, negou-lhe o habeas-corpus impetrado no STF.

Mesmo se vier a ocupar o cargo (ainda cabe recurso da decisão da ministra Weber), seu poder de fogo e sua capacidade de aglutinar a base aliada serão praticamente nulos. O PMDB lhe dá as costas, Michel Temer o ignora soberanamente, a ponto de sequer querer ter uma conversa com o velho morubixaba.

Tão ou mais desastradas foram as bravatas do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, para cima da Polícia Federal, com vistas a intimidar a instituição nas suas ações investigativas da Lava-Jato. Como se isso fosse pouco, tornou-se público o plano do Planalto de trocar a direção da PF.

É a aplicação de Maquiavel ao contrário. O governo anuncia o mal a conta-gotas, mas não o concretiza.  Arca com o desgaste e aprofunda mais ainda seu isolamento.

Óbvio, não há a menor condição de abafar a Lava-Jato, de interferir diretamente nas investigações da PF, sob pena de enfrentar a “sublevação” da corporação, um clamor das ruas ainda mais forte e a indignação da opinião pública internacional.

A equipe jurídica do governo segue a mesma linha ao preparar recursos ao Supremo contra o pedido de impeachment, caso seja aprovado. Ao antecipar-se ao resultado, dá uma enorme contribuição ao clima de barata-voa na sua base parlamentar.

Há 15 dias o governo pensava ter 250 parlamentares contra o impeachment. Hoje acredita ter 172. Quantos serão na próxima semana?

Fácil entender tamanha movimentação. A expectativa do poder atrai mais do que o próprio poder. Faz sentido, portanto, a frase de um parlamentar da base governista: “eles que fiquem com o Titanic”.

Dilma sente a terra fugir-lhes aos pés, dá demonstrações de destempero, como no seu discurso no encontro com “juristas”.

Neste mar revolto importa aos democratas não aceitar o clima de bang-bang. O confronto, a radicalização, a pregação do ódio, não são a praia dos brasileiros.

O Brasil fará a travessia para um porto seguro se houver a combinação da legitimidade das ruas com a legalidade do Congresso, com o estrito respeito ao rito processual do impeachment definido pela a Suprema Corte; a guardiã da Constituição e do Estado de Direito Democrático.

A ordem, a paz, a tranquilidade, a observância da separação e harmonia entre os poderes da República são as bandeiras.

Sem essa de matar ou morrer.

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Este artigo foi publicado originariamente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat:

 

Sem bala de prata

Esplanada dos Ministérios ao anoitecer (Foto: Bento Viana)Esplanada dos Ministérios ao anoitecer (Foto: Bento Viana)

por Hubert Alquéres

Quando lançou seu plano econômico, o então presidente Fernando Collor justificou o confisco da poupança com a necessidade de dar um tiro certeiro no tigre da inflação. Só lhe restava o último cartucho, a bala de prata, dizia ele. Onde foi parar essa história, todos nós sabemos.

É preciso ter cuidado com arroubos. Nada é mais temerário do que achar que problemas acumulados por um longo período de irresponsabilidade e mal feitos podem ser corrigidos no voluntarismo e esperteza.

Emparedada pelas multidões que coloriram as ruas das principais cidades do país no último dia 13, e pela corrosão de sua base parlamentar, a presidente Dilma Rousseff repete o gesto desesperado de Collor e apela para a sua bala de prata: fazer de Lula seu superministro. Tem tudo para ser um tiro na água.

Com a nomeação, a presidente apega-se a Lula como os mariscos encrustam-se nas pedras. Vislumbra aí o único caminho: reorganizar tropas no Parlamento para evitar seu impeachment. Paga qualquer preço para evitá-lo. Dá as costas ao povo, submete-se ao vexame de uma “renúncia branca” e à condição de uma “rainha da Inglaterra” sem qualquer glamour.  Mesmo assim, é duvidoso que consiga seus objetivos.

Dilma dá demonstrações de não ter entendido absolutamente nada do que os atos contra ela disseram. A assunção do ex ao posto de homem forte do governo, em vez de reconciliar o Planalto com as ruas, é um tapa na cara dos manifestantes. Beira ao escárnio.

A leitura de que Lula foi se acoitar no ministério de Dilma para ter foro privilegiado é combustível puro para a indignação nacional. Por mais que os petistas jurem de pés juntos que o caudilho vai para o Ministério por ser um Pelé da política, ninguém crê um milímetro nesta versão. O senso comum levará à mesma conclusão exposta por Lula em 1988: “aqui no Brasil é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia; quando um rico rouba, vira ministro”.

O temor explica-se pelo histórico de impunidade, mas não se justifica diante da postura positiva das instituições republicanas, – entre as quais o STF- com relação à Operação Lava-Jato.
Diante da enxurrada de delações e denúncias envolvendo seu nome, é quase impossível o ex-presidente escapar de uma investigação comandada pela Suprema Corte.

Teremos, nesse caso, uma situação vexatória. O novo homem forte do governo estará na mesma condição do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Um investigado no STF sentando praça no bunker de Dilma, na sua antessala. Só falta chegar à cadeira presidencial…

É uma situação esdrúxula. Nunca antes neste país um ex-presidente virou ministro de outro presidente. Mas o desrespeito à liturgia é o menor dos males. O maior deles é colocar a presidente na condição de cúmplice, de alguém que age para blindar seu criador, para obstaculizar a Justiça.

Essas suspeitas assumem proporções bombásticas diante das gravações apresentadas pelo senador Delcídio Amaral, como prova de que Aloísio Mercadante, na condição de ministro da Casa-Civil, ofereceu ajuda financeira para evitar a delação premiada de Delcídio.

Ao nomear Lula, Dilma imagina agradar as “bases populares”, para ter alguma tropa em sua defesa, ainda que seja um exército sem poder de fogo e sem bandeira.
E as imposições do ex são altíssimas. Quer proteção para ele e para a sua família. E quer mudar tudo na economia.

Com isso, descarta-se, de vez, qualquer possibilidade de ajuste econômico. O abrandamento do rigor fiscal, a utilização das reservas do país para inflar artificialmente o consumo e a adoção de medidas heterodoxas terão efeitos deletérios na já combalida economia e na vida dos cidadãos.

Diante do eventual cavalo de pau imposto por Lula, qual será a postura de Nelson Barbosa. Avalizará a aventura? E qual será a reação dos empresários? Investirão seu capital neste mar de instabilidade? O mundo produtivo já deu o recado: também quer “Fora Lula”, “Fora Dilma”, “Fora o PT”.

Sem munição, Dilma não partiu para o tudo ou nada. Partiu para o nada ou nada.

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Este artigo foi publicado originariamente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat:

 

General sem tropas

Lula (Foto: Arquivo Google)

por Hubert Alquéres

Foi-se o tempo em que um simples brado de Lula poderia provocar convulsão no país, tal o seu poder de levar multidões ao delírio. O velho general já não tem tropas para segui-lo até as últimas consequências, a não ser um punhado de militantes suficientes para lotar a quadra de um sindicato, e até criar brigas isoladas, confusão. Mas não para tomar as ruas.

Sua infantaria – CUT, MST, UNE – já não tem a mesma capacidade de combate de tempos outrora. Esvaziaram-se quando se amancebaram. E sua principal força blindada – o Partido dos Trabalhadores – mal resiste ao bombardeio da Operação Lava-Jato; encontra-se atolada no imenso lodaçal criado pelos próprios petistas.

Ao se pintar para a guerra, assumir o papel de cobra traiçoeira e convocar os seus a fazerem o mesmo, Lula realizou um movimento estratégico temerário.

A ameaça de colocar o país em chamas, quase à beira de uma “guerra civil” entre as “elites” e as “forças populares” tem tudo para ser uma nova batalha de Itararé.

Nem na Venezuela este tipo de bravata cola mais, que dirá no Brasil, um país muito mais complexo, com instituições mais consolidadas e economia bem mais diversificada.

Pode até haver escaramuças promovidas por grupos de assalto do lulopetismo, com vistas à intimidação dos brasileiros e para tentar levar a oposição à paralisia. Mas nada que faça de março uma onda vermelha.  O mais provável é um mar de verde, amarelo e azul nas principais cidades do país, no próximo dia 13.

O teatro de operações não é favorável nem à presidente Dilma Rousseff, nem ao projeto Lula -2018, uma miragem cada vez mais impossível.

Há uma contradição insanável entre o clamor das “bases populares” e a política econômica da presidente. Por mais que Lula pressione, Dilma não pode dar um cavalo de pau na economia para não perder, de vez, o quase nada que resta na sua condição de governabilidade. As contradições internas deste bloco de poder impede a capacidade de mobilização de sua própria base de apoio, algo que, de verdade, ela nunca teve.

A batalha pelas ruas ocorre, portanto, em condições extremamente adversas ao governo e ao lulopetismo. A recessão, o desemprego e a inflação fazem uma razia na vida dos brasileiros, espantam e afugentam os investidores. As águas da Lava-Jato se avolumam e não há como o governo reter a correnteza. O cidadão comum não está de bem com a vida. Ao contrário, está furioso com tudo isto e identifica, de forma cristalina, os responsáveis por seus tormentos.

Em vez de dar a ordem para avançar em uma situação adversa, o caudilho deveria ter protegido mais os seus flancos. Como não agiu assim, ele e Dilma podem ter supressas desagradáveis em outra frente: a convenção do PMDB.

Michel Temer e seus fiéis escudeiros recuaram para a segunda trincheira, de onde operam com discrição. Mas a tropa avançada dos peemedebistas rebeldes vai esticar a corda para a ruptura com o Palácio do Planalto. Não deve levar, mas o que pinta como resultado da convenção do dia 12 já está de bom tamanho. Para eles e para a oposição.

O PMDB não largará o osso, continuará com seus ministérios, mas se declarará independente. Há evidência maior do que essa de que o governo está derretendo?

As placas tectônicas se movem. A correlação de forças no Parlamento certamente não será a mesma, após a convenção dos peemedebistas. Há um movimento na direção do reencontro entre o grito das ruas e uma saída institucional, democrática.

Configura-se, assim, o pior dos cenários para o criador e a criatura. Aquele que qualquer estrategista digno do nome sempre procura evitar: ter de travar a luta em diversas frentes, simultaneamente.

Por aí a Alemanha perdeu a guerra.

Lula escolheu o mesmo caminho.

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Este artigo foi publicado originalmente no site do jornal O Globo, no Blog do Noblat:

http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2016/03/general-sem-tropas.html

Sobre anéis e dedos

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Dilma Rousseff – foto Lula Marques/Agência PT

por Hubert Alquéres

Uma das peças de resistência da presidente Dilma Rousseff tem sido a alegação de que seu governo se pauta de forma republicana, sem interferir no andamento de ações que investigam a ela própria ou seus aliados. De fato não havia, até agora, episódios significativos que contrariassem este argumento. Mas o sinal amarelo acendeu, com a substituição de José Eduardo Cardozo por um homem da confiança de Jacques Wagner, no Ministério da Justiça. Nitidamente a presidente cedeu às pressões do PT e de Lula, que viviam pedindo a cabeça de Cardozo, por considerá-lo um frouxo no monitoramento da Polícia Federal.

É mais um capítulo da “guerra-fria” entre Dilma e Lula. A relação entre a criatura e o criador lembra aquele casal pequeno burguês da Ópera do Malandro, obrigados a viver sob o mesmo teto “até que a casa caia, até explodir o ninho, até o fim dos dias”.  Não se suportam, é verdade, mas um depende do outro para sobreviver.

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